Debate de idéias – Informativo da Associação dos Docentes da UFMT – Adufmat - nº61/2011
CHOROS E FESTAS
Roberto Boaventura da Silva Sá
Dr. em Jornalismo/USP. Prof. de Literatura/UFMT
Da semana anterior, quatro eventos podem ser destacados. Em âmbito local, reabriu-se o Chorinho: malevolentes amantes da melhor MPB voltaram a ter onde ancorar a alegria. Nacionalmente, o abominável BBB/Globo foi encerrado com sua pior audiência: bons sinais. Por outro lado, o ex-vice-presidente (José Alencar) faleceu. Já além mar, Lula recebeu o título de Dr. Honoris Causa da Universidade de Coimbra: maus sinais.
Por conta do espaço, trato apenas dos dois últimos. Começo pela morte de Alencar. Das facetas de comoção preparadas pela mídia, destacou-se “a luta que o ex-vice empreendeu contra a doença”. Vendo as lágrimas de tantos anônimos, pus-me a pensar: se o ex-vice fosse um brasileiro comum, driblaria a morte por quatorze anos? Realizaria dezessete cirurgias nos melhores centros? Experimentaria tratamentos de última geração e com profissionais renomados? Iria aos EUA para completar pelo menos o primeiro round da luta? Não teria perdido a batalha para Thanatos bem antes? Creio que até os sobre-naturalistas sabem responder direitinho minhas indagações.
Para aprofundar, outra questão: quem é o brasileiro comum, quando se pensa em saúde? A resposta não é simples. Há variedade entre os comuns. Identifico três grupos. A um deles (bem pequeno) pertencem os que não pagam por planos de saúde, mas que dispõem de recursos para bancar consultas, exames, internações e até algumas intervenções cirúrgicas; todavia, nem de longe se igualam ao calibre econômico do ex-vice, pois são comuns. A outro grupo (mais encorpado) pertencem os que pagam mensalidades por planos de saúde. Em várias situações, após constrangimentos, têm de recorrer à justiça para o resguardo de direitos. Os planos, cada vez mais, limitam o horizonte de atuação. Pergunto: alguém suportaria quatorze anos e dezessete cirurgias lutando, também na justiça, para obter direito a um exame ou uma internação? Muito difícil. Por fim, na ordem piramidal, ao último e imenso grupo pertence a patuleia.
Como se sabe, “patuleia” foi o rótulo ganhado pelo partido popular que se organizou em Portugal em 1836. Em outras palavras: ralé, povão. Aqui no Brasil, à patuleia pertencem os “que apesar dos pesares ainda se orgulham de ser brasileiros” – conforme é dito por Gonzaguinha – e se arrastam “que nem cobra pelo chão”, nos versos de Gilberto Gil. Trocando em miúdos, os que dependem do SUS. Preciso dizer mais para provar que raramente alguém da patuleia conseguiria lutar durante tanto tempo contra um câncer, p. ex.? Logo, a questão não é ser um lutador.
Mas por falar em patuleia e Portugal, a Universidade de Coimbra homenageou o ex-presidente. Até aí, tudo bem: o mundo tem mesmo empobrecido intelectualmente de forma assustadora. Os pensadores vão sendo rareados. Em seus lugares, surgem agentes picaretas em prol do sistema. As universidades têm reforçado a picaretagem no planeta. O que me incomodou foram os motivos da homenagem: Lula teria sido um lutador contra a miséria e a fome no Brasil e no mundo.
Alto lá! É bem verdade: Lula é um dos melhores agentes do capital; e exatamente por isso seu governo não distribuiu rendas. Excetuando benesses a seu próprio clã, fez apenas caridade eleitoreira ao povão, mas tudo oficializado por programas assistências de políticas compensatórias. Não mexeu em um centavo das elites; ao contrário: as elites “como nunca antes...” lucraram tanto. Já a patuleia, essa continua “se arrastando que nem cobra pelo chão”, de onde vive de migalhas, catadas aqui e acolá.
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